3 de nov. de 2022

A mão esquerda





Oi! No dia 31 de agosto de 2014 estive no teatro do Sesi no duplo espetáculo de dança do grupo Corpo, mineiro, de dança contemporânea, reconhecido internacionalmente, e não é pra menos.
Houve a apresentação inédita do Triz, o último, com uma trilha simplesmente fantástica do Lenine, e em seguida, Okotô, com trilha de Caetano.
Pra mim ainda é impossível analisar com precisão a qualidade da dança contemporânea, mas o que eu gosto de fazer é criar uma aproximação, fazer uma relação daquilo que eu conheço (dança do ventre) com algo novo e surpreendente, como a contemporânea. O legal é poder se colocar no lugar de quem assiste algo que permanece um mistério em termos técnicos, um mundo diferente mesmo, sem acesso nenhum a bastidores.
Impressionante o quanto até a mão esquerda (ou direita, nos canhotos) é domada. Mesmo estando solta, não é um solto roposital, é desenhado, faz parte da estrutura, não é aleatório. Pude perceber o quanto "as mãos esquerdas" fazem diferença de um bailarino pro outro, se tem um braço esquerdo mais ansioso, aparece, se está mais tenso ou mais largado, aparece, tamanha a perfeição e a harmonia do grupo.Nada é negligenciado.
Eu adorei o Triz. Achei marcante, com uma estética linda, uma proposta muito legal. Mais limpo, neutro, espaçoso, respirável. Tem a ver com o equilíbrio não da estática, mas da dinâmica, super interessante. O Okotô viaja mais nos humores, tem mais erotismo, crueza, fala do inicio do universo.
É impressionante a beleza dos corpos. Todos. Exemplos de corpo humano. Musculaturas, curvas, movimentos, tudo definidíssimo. Resistência, perseverança, trabalho. Não há lugar para preguiça nestes trabalhos, não há um só erro. Que diferença. Chega a dar uma tristeza de ver o quanto a dança do ventre abriga refugiados que só justificam a falta de empenho. Eu posso falar por que eu sou uma. Antes, pelo menos, eu era workaholic e dançava todo dia, minha dança adquiriu uma certa maturidade graças a isso, e ainda assim não chega nem perto. Não dá pra comparar. Um profissional de dança contemporânea tem uma rotina muito mais pesada comparado a nós. Uma bailarina que dance todos os dias, no mínimo três horas seguidas, talvez consiga alguma aproximação. Não estou falando de quem faz por que gosta, ou por terapia, etc. Estou comparando profissional com profissional. Não venha me dizer que é muito diferente por que a dança do ventre é outra idéia, são outros movimentos e bla bla. No fundo todos sabem o que eu tô falando. Quem vai num espetáculo desse, não tem muito o que dizer dos nossos. Sério. Precisamos de uma boa dose de realidade, humildade e sair um pouco do bellymundo pra fazer trabalhos bem melhores.
Vocês devem estar odiando  o que eu estou escrevendo, mas não estou preocupada, é preciso acordar. Por que toda a vez que alguém dá uma chacoalhada, dá uma bronca sobre nossos corpos acima do peso ou sobre a qualidade da nossa expressão, todo mundo vem cheio de argumentos, razões, justificativas, colocamos a culpa na sociedade. Nos sentimos atingidas por nosso descaso, pois talvez não coloquemos a dança que tanto amamos tão em primeiro lugar assim. Eu não me sinto ofendida quando falam algo que me incomoda, como muitas vezes já o fizeram. Eu reconheço a responsabilidade que eu tenho sobre o problema e admito que sim, deveria ser diferente. Não é só isso. O fator organização e distribuição das funções básicas dentro de um espetáculo é um fiasco. Quanto a isso eu não vou nem entrar no mérito, pois vai ser um linchamento virtual.
Claro que isso não é generalizado, temos grandes exemplos de competência a serem seguidos. Mas essa visão da dança do ventre por quem realmente tem a possibilidade de uma cultura mais diversificada, só vai mudar com muito, mas muito mais trabalho. E quando vc pensar que tá pronto, não está na metade.
Temos que tomar cuidado com o tribal. Nós começamos as coisas invertidas por aqui (e até mesmo eu tenho responsabilidade nisso), pois não tivemos uma base importante para ele: o ATS. Não tínhamos acesso suficiente para estudá-lo profundamente. Nisso, o norte do país já está muito á frente, pois conseguiram estudar as americanas muito antes. Não estou dando tiro no pé, mas é verdade, o tempo nos revela.
Por conseguinte, tivemos um aflorar que também considero importante, que foi a parte expressiva e intuitiva. Agora, temos que correr atrás da qualidade técnica e disciplinar que ainda falta. Dança é arte, é emoção, sentimento, expressão...mas o que viabiliza isso de uma forma agradável de se ver é o apuro técnico. E daí que entra a paciência e a perseverança, pra não se contentar com aquilo que se consideracomo sendo o máximo que se pode fazer.
Quanto á dança do ventre mais tradicional, ela se salva em muitos aspectos. Primeiro, o fato de ela ser mais interativa é um fator que determina o rapport do bailarino. Se o público responde, é por que foi envolvido. Você não precisa perguntar nada pra ninguém. Dá pra sentir na hora.