Aconselho as meninas que ainda não se aventuraram em criações dançantes a lerem primeiramente o post que falo sobre o surgimento da própria dança, aqui.
Agora sim, entraremos de cabeça sobre esta segunda nóia que nos envolve com o decorrer do desenvolvimento artístico pessoal: para quem dançamos??? Como se guiar nas intenções e expressões?
Para aprender, dançamos para nós, exercitando o que nos ensinaram que é bom e certo. Participamos de inúmeras coreografias, conseguindo (ou não) captar a intenção dela conforme o estilo da música. Tudo varia da didática que a norteia até aquilo em que se acredita. Nos meus primeiros anos absorvi que só o baladi egípcio e o clássico eram os que traziam mais respeitabilidade, credibilidade profissional...talvez entre as bailarinas, o que na realidade são a minoria. Aprendemos sobre muita coisa que dizem ser feio ou errado, ainda bem que as idéias mudam ao abrirmos os horizontes.
É um exercício de paciência, sensibilidade e tolerância fazermos o que a princípio não gostamos ou desconfiamos, para depois descobrir a verdade sobre os mitos!
As bailarinas mais experientes conseguem, com o tempo, captar algumas diferenças relacionadas á sua intenção em cena, conforme o público a qual a dança se destina. Tudo pode variar conforme este público, o tipo de palco, a quantidade de pessoas, a música e a proximidade física da bailarina com este público.
Vou colocar aqui alguns aspectos do meu aprendizado neste sentido, colhidos e selecionados ao sabor do tempo e através de muitos erros de percurso, rsrs!!!
Há músicas que são mais passíveis de interação e outras nas quais é até interessante manter uma idéia de distanciamento da platéia. Por exemplo, existem músicas clássicas de pouquíssima variação rítmica, mais densas e tristes, letras poéticas, que clamam por uma interpretação mais introspectiva, mas não deixam de ser uma forma de interação, bastante forte, só que canalizada, de maneira indireta, através da percepção do sentimento da bailarina com a música. Desperta assim, no público, a reação de contemplação. A artista não precisará "chegar" no seu público, chamá-lo com muitos dentes à mostra ou caras de choro "acho que hoje vou morrer" ou o apelativo "veja como eu faço bem". (Hehehe, sim isto existe, faz parte da dramaturgia bellydance, rsrsrs...às vezes muito feio quando exagerado).
Tal música pede uma expressão de maior respeito e concentração, quase um transe, com uma certa dose de satisfação sorrindo em alguns momentos. Essa concentração é interessante quando o público está mais distante fisicamente, em grandes palcos, quando o público é misto ou com uma maior quantidade de bailarinos também. Normalmente, só profissionais sacam o grau de exigência neste estilo.
Desta forma, o primor coreográfico pode se sobressair à uma interação mais direta, sem deixar de de ser estimulante, visto que tal música exige um trabalho de leitura super elaborado.
Lição que a mestra Haqia comentou no work: que apesar de algumas músicas serem tristes, você estará ali dançando, e uma dança não deve ser triste o tempo todo, apesar da letra.
Exemplos de expressão bem definidos:
A entrega e o prazer de Suheir |
Quem, eu? |
Meu coração precisa do seu amor! |
É pra você, sim! |
Orit Maftsir: tem mais simpática? |
Sim, a Nour é um show de interação! |
Tem as músicas clássicas que se classificam como rotina oriental, egyptian routine, megansia e cabaret style, que tem estruturas mais detalhadas em função da variedade rítmica e sinfônica. São aquelas que em sua maior parte tem uma grande duração, uma imensa e trabalhada estrutura sonora e quando chega na metade dela já estamos a suar frio, entrando em parafusos tentando acompanhar aquele ritmo doido que, por Jesus, não é maksoum nem malfouf, ó Senhor.
Essas são as mais difíceis no requisito "mudanças de humor". Pois além da contemplação ainda temos que tentar levar o público ao delírio, depois ao sonho, depois ao choro e por fim ao riso. Chupa esta manga, colega!
Brincadeiras à parte e com sinceridade vos falo, nem sempre dá. Mas sempre vale a tentativa.
Este tipo de música é querida em mostras, festivais e como variação especial em shows para públicos mais próximos fisicamente, mesmo que leigos, porém, se as músicas não forem muito longas. Esse é um aspecto importantíssimo: a música pode ser liiinda, mas passou o sétimo minuto, duas entre nove pessoas estarão atentas em você. Principalmente se estiverem a jantar. Tome cuidado. Goela a baixo, só foie gras.
Tem dois estilos que são megaqueridos do público em geral: shaabi (incluindo folclore) e derback. Profissionais já fazem nariz torcido para algumas músicas desse tipo, por se tratarem do populacho. Eu adoro, por favor dancem isto! E brinquem comigo, hehehe!
É que podemos considerar neste entremeio as músicas tradicionais, as pops mais moderninhas, saidi...tudo muito animado, recheado de charmes, ironias e brincadeiras. Quase sempre músicas cantadas com versos simples e repetidos.
Só que pra quem anda meio envergonhado, acaba sendo o estilo mais difícil!! Justamente por que a concentração muda, diminui um pouco e dá espaço à interação direta e pretensiosa, no bom sentido.
Neste estilo você precisa mostrar que é bom na conquista, na simpatia, que não tem vergonha de chamar pra dançar e que principalmente ama estar ali, dançando, pulando e brincando.
É possível desenvolver este aspecto expressivo coreograficamente, mas tem que se policiar pra não fechar a cara, tem que sentir a alegria da música com o querer transmití-la ao máximo.
Infelizmente, para exercitar esse estilo, comecei a julgar necessário a assiduidade da dança com um público bem mais próximo, o que ainda é muito difícil no nosso país, pois temos deficiência absurda em locais que oferecem oportunidade para que dancemos toda semana assim, pertinho, chamando o povo. Agradeço de coração ao Lubnnan, restaurante árabe aqui em Porto Alegre, por me dar a chance de trabalhar esse estilo. As meninas me orientam (me puxam a orelha mesmo) em relação as músicas e como sou exaustivamente clássica, pedem sempre músicas bem animadas. No começo foi o ó, nem tinha tais músicas, mas depois comecei a sacar o funcionamento e hoje em dia tento elaborar um repertório mais shaabi, dando uma quebrada com uma egyptian routine e um derback.
Carinha de "vem dançar, negrinha!", mais shaabi impossível |
Crianças dançando shaabi: fuzarca! |
Alegria de um saidi! |
Com isso percebi que o ambiente e o público sempre se sobrepõe ao que você preza como profissional. Na minha opinião, isto é uma regra. E enquanto você não começar a acreditar que está a serviço disso, vai pecar muitas vezes como eu. Por que eu achava que eu ia educar meu público a se tornar mais "erudito", só que na prática, isso é perfumaria. Pode acontecer, mas só com o mesmo pessoal, várias vezes e numa transição muito suave.
E não dá pra comparar com o que mostramos em sala de aula, onde explicamos o que para nós é realmente interessante artisticamente ou não, pois com o público, a única forma de comunicação e conquista é seu gesto e intenção.
Não que o clássico não cative, mas numa clássica, a percepção é a de que o público não é diretamente necessário, pois a arte está entre a música e a bailarina.
Com um shaabi, se não há público, a dança perde muito da sua finalidade expressiva, visto que é a interação que dá o tom, fazendo com que o público se sinta presente e necessário para o bailarino.
Entendem a diferença?
Concluindo: há momentos em que dançamos para as bailarinas, mas acho que nosso maior erro é quando sempre damos esse tom em todas as nossas danças.
Particularmente acho que devemos dar foco em dançar pro povão sempre, até por que a bailarina que nos assiste também precisa se sentir conquistada e ela sim, tem que aprender a curtir o lance sem ficar cuidando técnica de movimento o tempo todo, como se fosse jurada.
Minha maior reclamação como platéia não é da falta de técnica. Como brasileiras, somos muito estudiosas. O que me deixa doidona é ver que a bailarina tá nem aí pra me fazer sorrir, me encantar.
Vejo bailarina talentosíssima, com um quadril que Deus nos defenda, mas parece que estão com prisão de ventre, uma tranqueira só...imitam a Randa, só que sem força, sem atitude, sem balanço, sem básico egípcio...Ah, como eu sinto falta de quadris pesados, soltos e audaciosos no momento de maior explosão do ritmo! É isso que o povo gosta! Entusiasmo! Você não? Duvido, nega...
Eita quadril poderoso, essa Bozenka! |