27 de jan. de 2010

Memórias de bailarina



 Nossa. Olhando para trás fico impressionada com tudo que já vivi, passei e recebi com a dança. Sim, já dá pra começar um livro, é verdade. Quem sabe...
Me lembro como se fosse hoje, a primeira vez que ouvi falar em dança do ventre eu não fazia idéia. Aliás, eu já devia ter visto nos desenhos do pica pau com aquele chadorzinho e a musiquinha de sempre, aquela da serpente quando sai do cesto. Bom, uma amiga minha me informou que ia ter aula na Casa de cultura de Esteio. Me convidou e eu fui. Fazíamos capoeira, eu tinha uns 18 anos. Então conheci a professora, era a Géssica, com G mesmo, uma alemoazinha fofa com corpo de violão (hoje ela deve ser advogada). Ela não tem noção da responsa que teve por esta vida que vos fala. Não saberia dizer com o senso crítico de hoje se ela dançou bem ou não, só sei que foi amor à primeira vista, (pela dança) coisa que nunca havia sentido antes. Ela dançou uma música do Tony, El Madi...mesmo assim eu sabia que era o que eu queria fazer na vida.(rsrs). Só Deus sabe o que aconteceu, talvez Jim Morrison pudesse explicar num surto de êxtase.
Fiz as aulas. Duraram poucos meses e as meninas, como sempre, foram desistindo. Que pena que nem todas são persistentes. Mas o caso é que eu tinha relativa facilidade e quando engrenei,  mas aí, pimba, it's over.
Como um camelo sem dono e sem deserto, continuei ensaiando oque eu sabia. Foi então que tive a segunda descoberta: o quarto ainda é a melhor sala de aula.Ou a sala, a cozinha, sei lá, o lugar que se tem para poder praticar. É sozinha que despertamos os instintos para o movimento, sem pressa, sem competição, sem contagem. Saboreando cada movimento como se ele já estivesse ali e pedisse para ser polido.
Após alguns meses, chegou outra professora, chamada Carla Lampert, hoje minha grande companheira com quem também compartilho conhecimentos da dança e do feminino. Mas infelizmente não foi com ela que dei continuidade. As aulas foram retomadas indiretamente, através de uma grande amiga que fazia aulas com a Carla. Não quero citar o nome, pois hoje em dia não nos falamos, mas tenho também que agradecê-la por todas as lições boas e ruins que aprendi no período em que estivemos juntas. Aprendi, por exemplo, que era doida. E malvada. Extremamente competitiva, comigo mesma e com as outras.Oportunista e desregrada. Ainda sou um pouco, mas controlo melhor. Em contrapartida, tenho muitas outras coisas que me tornam estupidamente feliz em ser quem sou. Com estrias e tudo.
Retornando ao contexto principal: parei de fazer aulas com a segunda professora e fiquei órfã novamente. Até que fui em um show e tive a terceira descoberta: Karina Iman. Tive que ir correndo abraçá-la no final . Simplesmente sublime: dançou Baheed Annak. Ovacionada. Dali pra frente, só felicidade, não larguei mais a criatura.
As aulas eram no antigo Ponto Solar. Naquela época ainda não tinha orkut, nem todos tinham dvd e muito menos computador. Inclusive, o maior sucesso eram os vhs da Lulu, na época, Ritmos 2 (específica, não?). Neste período, ao lado da Ka, que tive contato com o verdadeiro fundamento da dança. Como no livro da Fawzya (post anterior), coisas que se passam de geração para geração, de mulher para mulher, com sentido, com conteúdo, com primor. Hoje em dia ela está na Tunísia, colocando à prova todo seu trabalho com o dança oriental, conquistando aquilo que era pra ser dela. E está conseguindo ultrapassar todos os desafios pelo amor que tem ao seu trabalho. A Karina não é uma menina que virou bailarina. Ela é uma bailarina que nos presenteou com seu nascimento.
 Hoje encontrei documentos de épocas remotas e pude ter o dia exato do meu niver de professora. O dia em que dei minha primeira aula de dança: 13 de maio de 2001. Foram tantas mulheres diferentes que passaram no meu caminho, tanta coisa que como professora aprendi. Aprendi que nem todas tem o mesmo ritmo, a mesma intensidade, a mesma vontade; que nem todas prosseguirão e nem todas conseguirei conquistar para a dança. Mas a conquista que a dança me trouxe, foi de um autoconhecimento tão grande, que se expande sem limites, para o interior e depois para o mundo. Isso não significa que são somente aspectos positivos, mas são aspectos únicos, verdadeiros e essenciais para uma pessoa, cada uma tem uma chave para desenvolvê-los.
Com este aniversário de 10 anos de carreira como professora, praticamente ininterruptos, aprendi que tenho muito a ensinar, mas apenas pra quem quer aprender.Que é preciso respeitar o corpo, o tempo de cada uma, o pensamento mais limitado.
Que é preciso me respeitar quando não gosto de fazer algo. Que é preciso saber aquilo que eu não quero pra mim. Mas que é preciso olhar para os lados quando somos referência e as atitudes se tornam um exemplo. Aprendi que não vou dançar quando estiver insatisfeita com a música. Que não sou obrigada a participar de tudo, só pelo amor. Que não tenho que servir de degrau pra quem não merece.
Que tenho que servir sempre mais e melhor às minhas alunas que são meu legado.
Que bailarina não tem sangue de barata, mas tem o dever de expressar o melhor sentimento.
Que bailarina não dança só pra bailarina, mas para quem estiver olhando. E para si mesma, com platéia ou não. Beijo grande.

3 comentários:

Aisha J. disse...

Olá Daiane,

adorei esse post.
No fundo muitas de nós temos histórias parecidas de amor a dança.
Refiz meu trajeto enquanto lia suas palavras, pensando que eu também fui insistente nas idas e vindas de tanta gente que não deu continuidade aos estudos de dança.
E que as profissionais de quem recebi ensinamentos parecem ter me deixados presenets para a vida.

beijos

Sahi disse...

Obrigada Aisha!
Refazer os trajetos nos faz confrontar antigos medos, velhas mágoas, reconhecer defeitos... as pessoas não gostam disso, só da parte boa! Acho que a validade e a beleza das nossas histórias está no quanto aprendemos e metabolizamos, para que possamos então nos tornar o que somos hoje. E bailarinas tem trajetos muito parecidos, que nos dão a oportunidade de escolher como vamos enfrentar as mesmas situações. Infelizmente,as oportunidades acontecem mais rápido para algumas, que no meio do percurso percebem que faltou a maturidade necessária para seguir o trajeto com segurança e reconhecimento. Quem vai de "avião", chega rápido, mas perde a beleza da viagem, que fica nos lugares por onde passou e que poderia ter conhecido. Vamos apreciar estas paisagens e sentir a riqueza que nós temos e principalmente quem somos.
Grande beijo!!!

Ana Paula Andrade disse...

Dai, que maravilha te ler... é como te ver dançar, intensa, fluída e transparente.
Que a Deusa continue a te inspirar, conduzindo teus movimentos e iluminando tua jornada por caminhos abundantes.
Beijão