3 de mai. de 2010

Resgate da tribo


Falando virtualmente com uma amiga chamada Valquíria, perguntei sobre o que poderia escrever hoje neste blog. Só faltava a inspiração. Então surgiu-lhe a idéia de falar sobre o figurino da dança tribal.
A dança tribal nos chama muito a atenção com sua esquisitice bonita. E não é? Quando a gente dança com aquele monte de badulaque, aquela saia pesada e uns desenhos no rosto, tudo que a gente quer é que este momento dure pra sempre. Por quê? Será petulância nossa ou um instinto natural e saudosista (por que não? Adoro esta palavra). Como acredito que nada seja por acaso, lá vou eu em busca de algumas respostas para meu cérebro Jimmy Neutron da dança. 
A questão é que ainda não é possível andar tranqüilamente nas ruas da cidade com tal figurino sem um certo desconforto.  Como já passei pela experiência de andar paramentada por aí à luz do dia, é gostoso sentir a curiosidade alheia em volta, mesmo tímida. Apesar da estranheza, não serei hipócrita em admitir que eu acho o máximo esse povo doido e cheio de coragem que assume o que gosta e mostra a que veio. No caso da dança, temos um "veículo justificador" rsrsr, para nos permitirmos tal ataque de bravura.
Muito mais natural do que este pensamento, são as pessoas que se trajam dia e noite de tal maneira (inveja boa!) pelo simples fato de estarem no lugar certo e na hora certa para isso: os aldeões orientais. Muitos ainda mantém suas características primitivas e ainda hoje se deduz que existem muitas tribos ainda não descobertas pelos estudiosos. A tradição destes povos são sua maior riqueza.

Eis acima algumas fotos de alguns sites interessantes que pesquisei, para encontrar imagens de tribos e seus trajes cerimoniais e de rotina. Entre elas destacam-se figuras dos povos turcos, marroquinos e indianos.Os adereços e panos coloridos são bem característicos. Mas tudo que encontrei foi um tanto lúdico.
Tentei pesquisar durante a madrugada em todos os sites possíveis sobre etnografia, antropologia e tribal dance pra ver se encontrava simultaneamente alguma informação de fundamento ou alguma história interessante acerca da utilização de tais costumes mas não encontrei nada que satisfizesse minhas dúvidas. O que me veio após ter lido alguns livros sobre o tema, como os da Lucy Penna, Eric Fromm, Rosemarie Muraro, foi que é sempre necessário abster-se da figura urbana que temos hoje para alcançar um mínimo de entendimento sobre estas culturas primitivas e pensar mais dentro. Ou seja: esqueça o conforto e abrace o funcional, o orgânico e o fundamental para a sobrevivência de um grupo em condições bem mais simplórias, tentando compreender de verdade quem você representa nesta teia da vida. Depois volte e sinta o quanto ainda temos intrínseco, mesmo sob nossa condição atual, a necessidade de alguns hábitos que, por hipocrisia e adaptação, tivemos que camuflar. Por exemplo: a lei do" menos é mais". Visto de forma muito chique. Essa foi uma adaptação mega contemporânea em relação aos adereços e ao brilho. 
Aliás, vocês perceberam que há esta absurda diferença nas confecções do tribal, que é a utilização do que chamamos de cacarecos, mas que normalmente são peças adquiridas com o maior apreço quando compradas, o valor é muito mais sentimental do que financeiro. O resto são reciclagens, búzios, contas soltas, restos de lã, couro, madeira, semente, feitos por nós e com muito escambo...tudo de bom!!! 
Nas tribos o adereço tem uma representação, um simbolismo relacionado diretamente com sua função, ou sua tradição, ou sua família. ele precisa ser usado como forma de identificação das comunidades e nem sempre essa forma é delicada ou esteticamente aceita em nosso conceito de plasticidade.
A competição é um aspecto estimulado de forma saudável, ela cria a expectativa quanto à eficiência de cada função, seja ela a de trabalhar, caçar, cantar, dançar, cozinhar ou procriar. Para o melhor guerreiro, cria-se uma veste, um acessório ou um amuleto que o identifica socialmente. Para a melhor bailarina, os acessórios mais caros e mais trabalhados, ou uma determinada cor. Um determinado desenho em seu corpo. O interessante é que todas estas designações requerem ritos de consagração ou aval de um conselho, onde o título é conquistado por mérito real, ou seja: não há auto-intitulação. O povo elege e reconhece o dom, atribuindo-o naturalmente ou realizando o ritual necessário à comprovação da capacidade à ele atribuída. A inveja também acontece naturalmente, não é escondida: os sentimentos negativos não são mascarados, somente assim podem ser trabalhados, em seu aspecto consciente.
As vestes coloridas normalmente simbolizam as forças da natureza, os deuses, as cerimônias e tem função principalmente no trabalho espiritual. Tudo é feito artesanalmente e tratado com valor, pois a energia do tempo e da vida da pessoa que confecciona fica impregnada em cada conta, em cada batida de martelo, em cada nó da linha ou trança. Tudo é tratado sem desperdício, pois o material é obtido sempre com algum sacrifício, seja o couro de algum animal, a resina de alguma planta ou a moenda de algum mineral.

Todo nascimento é festivo, toda chegada é celebrada e tudo é motivo para compartilhar.
 A sabedoria dos anciões é reverenciada e mantém a tradição do grupo através do respeito.
Tá achando que tudo são flores? Claro que não, li sobre certos rituais um tanto constrangedores às nossas leis. O legal do lance é que existe uma tradição que se mantém inabalada e perpetua o modo de vida do povo.
Nossa cultura atual nos impõe limtes a todo momento e dita as ordens estéticas e sociais sem o mesmo embasamento. O desespero acaba se tornando um propulsor na luta pelo material e pela ostentação, a depressão é o resultado da busca desenfreada de aceitação, em função da queda de muitos valores essenciais á vida simples e alegre. O corpo e a mente não se acertam pois se julgam separados, a grana compra o corpo dos sonhos, a saúde é vendida em frascos e a família unida é vista na propaganda do Zaffari ou da Doriana. Olhando para trás e analisando as sociedades primitivas, nos comparamos muitas vezes como sendo indiscutivelmente evoluídos. Então se um dia acontece de faltar energia elétrica em nossa casa, falha no abastecimento de água ou porventura somos vitimizados por alguma catástrofe maior, o que vamos sentir em primeiro plano é que não temos de fato, controle sobre tudo. E rapidamente voltamos retirar leite da pedra, percebendo que a coisa mais fundamental nesta vida é o apoio que podemos ter da nossa família, da nossa vizinhança, da nossa grande tribo, que apesar de urbana, não perderá nunca, perante o desespero, a capacidade de cooperação. Nesses momentos, o dinheiro é necessário, mas o foco, com certeza, se volta para nossas atitudes que independem dele. 
Continuamos, no fundo, sendo uma grande tribo. Um pouco perdida no barulho da cidade.
O que eu proponho de resgate através da dança tribal é muito mais que o gesto por si só. Trazer a força e a energia para vivificar esse gesto e associá-lo à própria experiência é um trabalho que exige muito de um aquietar-se, conscientizar-se que o pensamento relaxa, flui como a água. O corpo precisa de disciplina, conversação, como a criança ao ser alfabetizada. O trabalho artesanal com os figurinos é mais um grande ritual, sozinha ou em grupo, onde precisamos nos desprender de tal forma, que ao nos concentrarmos na costura, acessamos a mesma energia que as mulheres das tribos mais primitivas. Viajamos no passado e no futuro atuando e respirando o momento presente. E a música...Ah, a música!!!
Certamente vou falar sobre ela no próximo post, outra looonga história...prepare um tempinho pra gente confabular denovo, vamos viajar juntas na magia dos sons...Obrigada amiga, até mais!

Um comentário:

Unknown disse...

O texto ficou maravilhoso, Daiane! Uma reflexão sobre o figurino que sempre chama tanta atenção de todos aqueles que, pela 1ª vez, se defrontam com a dança tribal! Obrigada!