18 de nov. de 2012

Danças e periferias



Mais maravilhoso que discutir um assunto de dança, tanto quanto praticá-la, é quando se cruzam as idéias e os propósito em universos paralelos. Periferia, eu chamo este texto, pela universalidade do termo, "tudo que está em redor". E tudo que possamos imaginar pode acontecer ao redor da dança do ventre, ao redor da dança contemporânea, ambas danças libertadoras, porém com pontos de vista que se perdem num caminho sem fim. Duas mulheres complexas. Uma visionária, outra apegada às suas raízes, atrás de excelência, disciplina e liberdade, de maneira complementar. Uma quer algo que a outra tem e as duas tem problemas parecidos.

A dança contemporânea partiu da revolta com a dança moderna (esta que se revoltou com o ballet clássico por sua disciplina rígida, desconfortável, excessivamente técnica, mas que no fim acabou adotando também). Dança livre, tem nessa principal característica a sua beleza e seu drama. Seu viés é aquilo que lhe determina: o excesso de liberdade e a ausência de regras que viabiliza o excesso, tendo como "autêntica" dança contemporânea aquilo que chamaríamos de uma encenação qualquer, menos dança em si. Há contradições acerca do que se determina dança contemporânea, a sua expressão como "não atitude" incomoda os mais ortodoxos, e seus excessos e ousadias acabam descaracterizando o que poderia ser mais belo e menos excêntrico. A falta de limites certamente é um problema na educação. E na dança também, pois a liberdade e a arte não se limitam ao belo e ao correto, nem devem . Só falta uma coisinha, chamada bom senso.



A dança do ventre nutre suas raízes egípcias e busca autenticidade fora de seu espaço natal. É a feminilidade em dança e ilustra em suas bailarinas questões sociológicas, políticas e culturais, seus anseios, ternuras e medos, porém tudo muito dissimulado. Ela se universalizou, tornando-se uma mulher decidida e capitalista, de véus agressivos e sem calcinhas. Ela é fraterna e acolhedora: exige pouco espaço, pouca energia, aceita brilhos e agrados (mas nem sempre quem vê aceita apenas isso). Seu maior conflito é uma fuga da dissimulação (excesso de cópias e rigidez emocional durante a interpretação)  resultante da falta de identidade, experiência e interatividade contínua. Há oportunismos imensos envolvidos na questão de performances e shows que se traduzem em baixa estima, impulsividade e desvalorização.

Quem também surgiu de um desconforto com o modelo convencional da dança do ventre foi a dança tribal. Adotou em seus movimentos mais androginia, mais contradições, agregou mais elementos de outras danças, tornando-a um pouco mais liberta, sem perder a disciplina. Como toda dança que nasce de uma revolta, ela tem sede, tem fome, cresce rápido. É uma mulher moderna , mas que se foca no seu interior e nas possibilidades. Nela ainda tenho mais esperança de encontrar mudanças que a valorizem e mantenham em constante transformação.
Na busca de alimentar essa característica busco a dança contemporânea.


O que será fusionado? Elementos com novas leituras e possibilidades, um corpo mais livre, mais fiel à uma temática e longe de qualquer ditadura (desde que haja uma determinada qualidade de movimento).
Imagine você poder criar uma história no cenário da dança oriental, mas com características que a torne melhor fundamentada e interpretada, com uma corporalidade mais disciplinada: uma perna mais alta sem que sua finalidade seja apenas estética externa, um movimento de chão que não seja apenas para mostrar habilidades abdominais... Possibilidades de trabalhar repertórios menos batidos e subjetivos, ou ainda, transformar os famosíssimos "quatro elementos" em algo muito mais aproveitável do que a simples caracterização...sem querer desprezar nossas raízes , mas falta conteúdo nesse propósito, não concorda?...
Enfim, uma mente aberta agrega valores àquilo que já os possui de forma tradicional e não descaracteriza sem uma boa convicção. A intenção é de enriquecimento. Um artista satisfeito ainda não é um bom artista, este nunca se completa, pois está em constante inquietude!


Este próximo ano, 2013, certamente vai nos exigir uma maturidade absurda em termos de humanização, e isto será muito bom para classe artística alçar vôos maiores. É o momento de parar de pensar de forma individualista e compreender de vez o por quê a coisa não vai pra frente. Para nós da dança, vale a pena trocar de lugar com a platéia e exigir-se mais em conteúdo e objetividade.


Os professores terão necessidade de ser menos coniventes com seus alunos "investidores", abrindo seus olhos para descobrir de fato suas reais habilidades e limitações, ultrapassando um pouco seu senso crítico convencional, mesmo que isso signifique tocar em algumas feridas. A sinceridade e o desprendimento do professor é que faz o aluno evoluir. Isso é uma escolha do aluno, acatar as críticas construtivas para seu crescimento ou magoar-se, fechar-se em si com suas justificativas e seu orgulho para então abandonar o barco. O que não devemos esquecer é que o professor é quem tem o dever de viabilizar esses "conflitos" com o ego do aluno e não ajudar a alimentá-lo ao preço de uma mensalidade, por medo de perdê-lo.
Passada esta fase de confrontos psicológicos, o retorno para ambos tem um valor infindável, a confiança e o vínculo se fortalecem. Este professor vai te dar caminhos para alcançar sua própria verdade. Porque:

..."Há apenas um de você em todos os tempos, essa expressão é única. E se você se bloquear, nunca vai existir em qualquer outro meio e será perdido."
Martha Graham

2 comentários:

Luísa Ruas disse...

Muito bom! Obrigada.

Anônimo disse...

Que post lindo, flor.
Ando muito musical. Enquanto vc descrevia a dança do ventre me veio a música Folhetim, do Chico.

E eu te farei as vontades.
Direi meias verdades
Sempre à meia luz.
E te farei, vaidoso, supor
Que és o maior e que me possuis.

Não sei se faz sentido pra vc, mas pra mim, caiu como uma luva.