14 de nov. de 2013

Uma bailarina semi expressiva!

Que ironia do destino, pessoas queridas que me acompanham!
Vou tentar descrever sem muita delonga sobre minha atual situação. Fui acometida de uma enfermidade chamada Paralisia de Bell (já conhecia pois sempre tem alguém conhecido que já teve, não é assim tão incomum). Não é perigosa no fato da paralisia facial periférica em si (o meu rosto, do lado esquerdo, não tem função expressiva); ela é mais perigosa por manter sempre o olho mais aberto e quase sem piscar, podendo gerar úlcera córnea, isso sim é perigoso, pois cega a apessoa. Tem que meter colirio e pomada, óculos escuros de dia e esparadrapo pra dormir com ele bem fechadinho. As funções motoras da expressão voltam com o tempo e estímulos adequados, para não atrofiarem. E o que mais chateia mesmo é a dor de ouvido.
Bem, ela ocorreu rápida mas progressiva. começou nos olhos (eu achando que a cola dos cílios tinha me lesado). No outro dia quando acordei vi que estava ficando diferente e na outra manhã já perdia o sorriso do lado esquerdo. Quando eu ia tomar meu cafezinho esquecia de encaixar a boca e sempre dava uma babadinha, hihihi...no primeiro dia era o curso da Joline Andrade, eu cheguei a ir mas entrei em desespero e fui pro hospital da Puc. Tadinha da Carla Lampert, ficou toda preocupada, me deu a maior atenção e compreensão. Te adoro, guria! E te devo essa.
Feitos os exames, segue o tratamento: prednisona, aciclovir, lacrima plus, epitezan, dipirona. E cá estou, agora , bem mais calma, com bom humor, sem deixar de fazer muita coisa normal. Se preciso sair na rua, meto um óculos no carão e me finjo de blasée, pareço uma perua antipática, kkk....
Essa ocasião me faz pensar em várias coisas de forma ainda mais aprofundada. Tem a questão das pessoas com AVC, que tem lesão permanente nos nervos e músculos, a expressão na saúde, as funções do rosto humano. Tem a questão filosófica sobre a aparência física, a beleza e o humanismo. E como não poderia deixar de ser, temos a dança e a arte onde usamos a expressão de forma mais propositada.
Acho que devemos considerar uma das grandes capacidades do ser humano a de poder se colocar no lugar do outro. Eu me sinto afortunada por estar em uma condição temporária onde posso vagar com tranquilidade numa parte frágil da nossa existência, onde a saúde compromete nossa ligação com o mundo exterior, nosso conceito de beleza comum. Tenho a sensação de que por causa de uma falha na lata, o universo de uma pessoa fica mais comprimido dentro dela. Pois em cada um de nós existe um universo, sempre se construindo e interagindo com outros. Essa interação, ela sofre intervenções que conferem uma reserva maior, tanto da sua parte como da parte dos outros. E eu acho isso natural. No momento em que somos ou representamos a diferença, o colapso daquilo que é funcional e normal, muitas coisas podem se modificar também internamente e aprendemos a OBSERVAR as coisas com mais profundidade. Não considero ainda, radicalmente, a matéria e a forma exterior como uma máscara. Mas certamente ela está passando de uma realidade fundamental para uma hipótese. Ela é uma proteção para a funcionalidade das inter-relações superficiais da vida, onde universos distintos confabulam sem maior profundidade.
Não quero me estender muito nisso, mas é um assunto muito interessante, que te faz analisar vários conceitos e julgamentos presentes na sociedade e que somente interessa para pessoas que gostam de aprender, vivenciar com curiosidade sobre os universos e sua existência...
Só não quero deixar de mencionar que fico muito preocupada com as questões das limitações físicas permanentes do nosso corpo: a falta do movimento, a lesão de um único nervo, uma coisa pequena que aconteça pode interferir muito nessa questão do universo pessoal de quem sofre o evento. Tanto os profissionais da saúde quanto as pessoas que convivem com um paciente precisam ter uma visão holística do que se passa. Certamente a pessoa está lutando para se movimentar ou até mesmo se conformar com sua disfunção, mas seu universo interior está ali, cheio das suas experiências, sem poder navegar na superfície, mantendo somente seus elos profundos com quem o ama e já se desvinculou da questão da  aparência externa. Cuidem bem dessas pessoas pois o mais importante para elas neste momento e nos próximos são as lembranças, as experiências e o pensamento. Quando a função comprometida não é só fisica, mas sim mental ou neural, bom, aí deixo pra você desfrutar da capacidade que mencionei anteriormente: a de se imaginar no lugar de outrem. Você saberá o que quer sentir.  Faça uma meditação sobre isso, reconheça a inervação, a inércia, o movimento e o não mover-se. Apenas respire  e imagine o que seria isso dia após dia. Não tenha medo, é algo que faz parte da vida e muitos universos neste momento, que estão nessa condição.
Como bailarina, noto que os meus humores foram muito trabalhados e passando por isto, vejo que é uma experiência arrasadora e ao mesmo tempo enriquecedora, sendo otimista, claro.  Perder parte da expressão certamente faz com que eu valorize ainda mais esta função humana maravilhosa. Quero poder compartilhar com vocês várias vivências sobre isso em aula. Por enquanto o que posso lhes adiantar para irmos trabalhando é que reforço tudo o que sempre falei sobre expressão e intensidade de movimento, com muito mais peso. Demonstre o quanto está se divertindo, demonstre a profundidade de uma tristeza, demonstre sua sensualidade, pois isto é puramente VIDA. E é seu, é sua marca, como suas impressões digitais, como aquilo que só você gosta ou sabe, seu universo. Dançar sem compartilhar esta noção de existência é viajar sem ver a paisagem, e o pior...é pensar que a paisagem não é você...beijos queridos, até a próxima!




Um comentário:

Karine Neves disse...

Dai, esse assunto é muito interessante mesmo. Entendo perfeitamente o que disseste, pois já divaguei muito sobre essas questões quando tive o diagnóstico de uma outra síndrome, que pode afetar todo o organismo. Realmente quando se goza de uma saúde perfeita, normalmente não se para pra pensar e valorizar a funcionalidade de cada parte do corpo. No momento em que nos deparamos com uma condição especial, os pequenos gestos ganham outro sentido e de certa forma ficamos mais conscientes dos nossos movimentos e expressões, uma vez que tivemos de superar dificuldades para executá-los. Sabemos o quanto as limitações (temporárias ou não) podem nos afetar não só física como psicologicamente. Antigamente quando eu assistia a um(a) estranho(a) dançando, costumava avaliar muito criticamente a sua performance, a sua técnica. Entretanto, desconhecendo seus conflitos internos, suas dificuldades, sua bagagem de vida e sua vivência corporal, deixava de levar isso em consideração ao “julgar” o bailarino(a). Isso mudou pra mim. Consigo hoje simplesmente apreciar aqueles instantes em que a pessoa está se doando à dança, e procuro pensar que aquele coraçãozinho que está ali está dando o seu melhor para aquele momento. Sinto que fiquei até mais “tolerante”. Não serviria pra jurada, hehehe!
Melhoras pra ti!
Beijo grande